A Companhia de Dança de Almada brindou o público com uma experiência singular, transportando a riqueza das tradições portuguesas e galegas para os palcos internacionais.
No âmbito de uma residência artística em Lugo, Espanha, a companhia estreou, a 5 de abril de 2024, uma nova versão do espetáculo 'Inverno', uma criação de Bruno Duarte.
Esta peça promete uma nova leitura que condensa os rituais e celebrações do período entre o Natal e o Dia de Reis, explorando o vasto imaginário das Festas dos Rapazes no Nordeste Transmontano e na Galiza.
Antes da estreia, tivemos a oportunidade de entrevistar Bruno Duarte, que desvenda um pouco do processo criativo por trás desta nova encenação e o que ela significa tanto para o coreógrafo quanto para a Companhia de Dança de Almada.
Ensaio - Companhia de Dança de Almada
Autor: Miguel Estima
Entrevista - 3 de abril de 2024
Portal da Dança: Olá, Bruno! É um prazer poder explorar mais sobre a nova versão do espetáculo 'Inverno', que a Companhia de Dança de Almada irá estrear em Lugo, Espanha. Poderias partilhar o que motivou a criação desta nova versão para um elenco de seis bailarinos?
Bruno Duarte: O tema deste espetáculo é algo muito querido para mim, e quando a Ca.DA recebeu o convite, por parte do Colectivo Glovo, para repor o “Inverno”, fiquei realmente feliz e entusiasmado, principalmente porque sabia que iria estrear num local onde estas tradições também acontecem. Considerando que, presentemente, a Companhia tem um elenco de 6 bailarinos, foi desafiante encontrar estratégias para adaptar o espetáculo sem o desvirtuar mas, como tive liberdade para criar esta nova versão, foi muito interessante para mim poder revisitar este objeto com um olhar mais distante.
Portal da Dança: A inspiração para "Inverno" vem das Festas dos Rapazes no Nordeste Transmontano e na Galiza. Poderias partilhar um pouco sobre como estes rituais influenciam a narrativa e a coreografia do espetáculo?
Bruno Duarte: Para este “Inverno”, passei 2 anos a fazer pesquisa em relação às festas de Santo Estêvão, ou festas dos rapazes. Inclusivamente fiz várias viagens a Trás-os-Montes para viver, na pele, o que são estas celebrações. Depois disto, reuni toda a informação que tinha e selecionei 12 tradições – correspondentes ao ciclo dos 12 dias que separam o Natal e o dia de Reis (datas que hoje coincidem com celebrações cristãs mas que são, originalmente, pontos de referência pagãos). Dada à importância deste número, desde muito cedo tive a certeza que esta peça teria 12 secções principais, ainda que algumas se entrecruzem, cada uma baseada numa tradição ou momento específicos das celebrações – a ‘praxe’ dos mais jovens, o jogo do pau, a fogueira, a chegada dos caretos à aldeia, as rondas, o chocalheiro, a madrugada (a que chamamos “ovelhas”), a carroça, as loas, a galhofa, as bexigas e a máscara.
O próprio movimento que dá corpo a cada uma destas secções é, também, inspirado na movimentação visceral e, quase, ritualístico dos caretos.
Portal da Dança: Sabemos que a estreia de "Inverno" está inserida no ciclo LED - Lugo en Danza. Como foi o processo de integrar o espetáculo nesta programação, e quais são as expectativas para esta apresentação internacional?
Bruno Duarte: O "Inverno" foi um dos selecionados do Programa Internacional de Residências Atopémonos Bailando, de Lugo - Espanha, programa criado e desenvolvido pela companhia de dança galaico-portuguesa Colectivo Glovo. Com esta residência, a Companhia de Dança de Almada foi convidada a investigar e trabalhar, durante a semana prévia à apresentação da nova versão de "Inverno", nas instalações do Museu MIHL, de Lugo - o espaço que acolhe estas residências artísticas.
A apresentação do resultado desta residência em Lugo será acolhida dentro da programação de LED - Lugo en Danza, com o objetivo de poder chegar ao máximo número de espectadores possíveis.
Em termos de expectativas, a minha esperança é que o público que, como disse, também conhece estas tradições, de alguma forma se reveja naquilo que mostramos em palco. Não é necessariamente um espetáculo narrativo, mas acredito que é acessível e, principalmente, alegre.
Portal da Dança: A versão original de "Inverno", criada em 2019, já percorreu várias cidades e foi apresentada em importantes festivais internacionais. Como esta nova versão dialoga ou se diferencia da original?
Bruno Duarte: Para mim, foi muito importante respeitar a estrutura original do espetáculo, no que diz respeito ao alinhamento conceptual – a forma como cada secção estava organizada cronologicamente, bem como as suas ideias principais, continuavam a fazer-me sentido. No entanto, a verdade é que se passaram quatro anos desde a estreia e, por esse motivo, algumas coisas já não me faziam sentido na forma como originalmente as propus. Daí ter, dentro de quase todos os momentos da peça, introduzido alterações, algumas mais pequenas e outras mais demarcadas. Respeitando a ideia de ritual e utilizando ainda a música tradicional destas regiões, procurei jogar com novas dinâmicas, acrescentar contrastes e novos elementos que tornassem o produto mais rico.
Obviamente, o facto de uma boa parte do elenco ser também diferente, traz, também, novas nuances ao espetáculo.
Portal da Dança: Tendo uma carreira distinta tanto como coreógrafo quanto como educador, como a tua experiência em ensino da dança influencia o teu processo criativo e a forma como abordas novos projetos?
Bruno Duarte: O meu olhar de professor ajuda-me bastante no processo criativo, não só em momentos de limpeza de movimento mas, especialmente, nos momentos de criação – trabalhar com crianças e jovens ainda em processo de aprendizagem dá-nos imensas estratégias para transmitir aquilo que queremos que os bailarinos explorem ou expressem, para compreender a espacialidade e, especialmente, um olhar criativo sobre o mundo que, muitas vezes, se dilui um pouco na idade adulta.
Ensaio - Companhia de Dança de Almada
Portal da Dança: A Companhia de Dança de Almada tem um papel significativo na cena da dança em Portugal e internacionalmente. Como "Inverno" se encaixa na trajetória e missão da companhia?
Bruno Duarte: A história da Ca.DA é muito longa e diversa, com mais de 120 criações originais de coreógrafos portugueses e estrangeiros. Não quero incorrer no pretensiosismo de dizer que esta peça se destaca por alguma razão, mas fico obviamente muito feliz de perceber não apenas que ela ainda é requisitada, 4 anos depois da estreia, mas o quanto ela foi elogiada pelo público, especialmente por aqueles que, conhecendo estas tradições de perto, se reviram nela.
Portal da Dança: Por fim, poderias nos dar um vislumbre do que os espectadores podem esperar da nova versão de "Inverno"? Algum elemento surpresa ou inovação que possas partilhar connosco?
Bruno Duarte: Para esta nova versão, procurei não apenas enriquecer o espetáculo em termos de movimento mas, também, em termos de espetáculo no geral. Nesta residência vamos criar um novo desenho de luz, teremos mais trocas de figurinos, alguns elementos técnicos mais arriscados também. Curiosamente, uma das coisas que vai acontecer neste espetáculo é algo que aconteceu apenas na estreia, em Bragança e que deixou de existir por espetáculo, dadas as novas regras relacionadas com a pandemia. Hoje, estamos muito felizes de poder voltar a fazê-lo, incorporando os demónios que estes caretos simbolizam criando uma relação de (muito) mais proximidade com o público. E mais não posso dizer!
Portal da Dança: Muito obrigado, Bruno, por compartilhar connosco um pouco mais sobre "Inverno" e os bastidores da sua criação. Desejamos a maior das sortes para a estreia em Lugo!
Sobre Bruno Duarte:
Bruno Duarte é mestre em Ensino da Dança e licenciado em Dança pela Escola Superior de Dança de Lisboa. Desde 2013 é membro da Companhia de Dança de Almada, como coreógrafo residente, bailarino e professor na escola de dança.
Desde 2011, criou e cocriou diversas peças, para palco e videodança, apresentadas em diversos países. Ministrou workshops no Beijing Dance Theatre (China), Giro8 Companhia de Dança (Brasil), FreeDance (Croácia), entre outros.
Sobre Companhia de Dança de Almada:
A Companhia de Dança de Almada desenvolve a sua atividade essencialmente nas áreas da criação artística, formação em dança e programação cultural.
Fundada por Maria Franco, iniciou a sua atividade em 1990. Desde então, produziu mais de uma centena de peças de coreógrafos nacionais e internacionais, que apresentou no país e no estrangeiro.
Desde 1992, organiza o festival anual "Quinzena de Dança de Almada – International Dance Festival", promovendo o intercâmbio entre criadores e bailarinos portugueses e a comunidade internacional.
Em 1998 fundou a Ca.DA Escola, cuja atividade de ensino artístico especializado de Dança desenvolve de forma continuada.
Links da Companhia de Dança da Almada:
Site: www.cdanca-almada.pt
Facebook: facebook.com/companhiadedancadealmada
Instagram: @companhiadedancadealmada
Consulte aqui notícias e eventos da Companhia de Dança da Almada.
Nota: A entrevista com Bruno Duarte foi realizada no dia 3 de abril de 2024, dois dias antes da estreia do espetáculo "Inverno". Qualquer referência ou conteúdo está, assim, no contexto da data em que a entrevista ocorreu.
Data Publicação: 05/04/2024